Quando comecei a assistir o novo documentário lançado pela Netflix, “O Dilema das Redes Sociais”, confesso que minhas impressões iniciais não foram as melhores possíveis. Isto porque, se você trabalha com tecnologia, a primeira metade do documentário reforça apenas o óbvio: que os algoritmos têm um impacto sensível na forma como nos relacionamos.
Se você não viu o documentário ainda, não se preocupe, esse artigo é livre de spoilers!
Não sei se foi a trilha sonora, ou o fato de terem selecionado fundadores, sócios, ex-colaboradores, diretores e desenvolvedores do Facebook, Google, Twitter e Instagram, para afirmarem que não houve intenção maligna por detrás da criação das redes sociais – mas que, inevitavelmente, elas acabaram por se tornar um antro de comerciais altamente inteligentes e compra e venda de nossas informações pessoais. O fato é que, para o público geral, que não havia buscado essa consciência a respeito do funcionamento técnico das redes sociais, o impacto foi massivo.
“O Dilema das Redes Sociais” foi um dos 10 documentários mais assistidos na Netflix no último mês. No Twitter, centenas de milhares de comentários sobre o vício nas notificações e impulsionamento de propagandas. Muitos usuários tiraram “férias” das redes sociais, motivados pelo documentário – o chamado social media break.
Se limparmos o sensacionalismo cinematográfico, ficam algumas impressões coerentes sobre a nossa relação com as redes sociais. Desde como interagimos afetivamente, padrões de compra, tendências de consumo de conteúdo, fake news, até conflitos políticos e possibilidades de Guerras Civis “causadas” pelo algoritmo, algumas dúvidas permanecem (e vou elencá-las para vocês!):
1 – A culpa é do algoritmo?
Um dos “terrores” causados pelo filme é a sensação de que estamos em constante vigilância. Os algoritmos são até personificados no documentário, dando a entender que a motivação deles para com nossos dados seja sombria ou até mesmo maldosa. Mas não, a culpa não é do algoritmo. Quem atribui propósito, resultado e intenção para a utilização dos dados e estratégias de IA somos nós, seres humanos.
2 – Se eu não pago para estar nas redes sociais, eu sou o produto?
Sim. Os dados são o que existe de mais valioso para a indústria nesse momento. É através do entendimento do consumidor – nós – que produtos são lançados, serviços oferecidos e as propagandas cada vez mais personalizadas. Nossos padrões de interação, comportamentos e interesses são insumos essenciais para as empresas num cenário digital.
3 – A tecnologia irá destruir a humanidade?
Uma das mensagens mais fortes do documentário é que estamos, pouco a pouco, perdendo nossa humanidade, ao passo que a tecnologia avança e começa a direcionar nossas preferências conforme as necessidades de consumo do mercado. Em todas as Revoluções Industriais anteriores, a existência da humanidade foi questionada – ainda que em diferentes parâmetros. Não acredito que a tecnologia irá destruir a humanidade, mas, decerto, ela irá transformar ainda mais a forma como nos enxergamos dentro do que nos torna humanos: nossas relações, nossa criatividade, nossa capacidade de sentir e responder a estímulos de forma espontânea.
4 – A estrutura dos algoritmos estimula a polaridade política?
Esse é dos pontos que mais me causa interesse. No documentário, foram citadas as eleições dos EUA, processos políticos do Mianmar e até mesmo as eleições presidenciais de 2018 no Brasil. Um dos argumentos mais fortes é de que a IA não consegue conter as Fake News, porque não existe (ainda) formas de programar o algoritmo para selecionar a ‘verdade’. Ainda, que o direcionamento das redes sociais para conteúdos afins, acaba por formar bolhas de tensão digitais que eclodem na esfera pública. Portanto, sim – a estrutura dos algoritmos acaba por estimular a formação de clãs digitais cada vez mais radicais, que trazem essa marca para o debate público.
Por fim, o que aprendemos?
Refletir sobre nossa presença digital e os mecanismos que formam nossa trajetória nas redes sociais é essencial para que tenhamos uma relação mais saudável com esse espaço – cada vez maior e influente em nossas vidas. As mesmas pessoas que criaram esses algoritmos, alertam para a desumanização do propósito inicial da Internet, que sempre foi conectar pessoas, ideias e propósitos.